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[Narrativa dos Gts de ontem e os afetos (efeitos) de hoje] - Thardelly Lima


Ao sair de casa hoje pensando no que me atravessou nos GTs dessa quarta-feira, me peguei num vazio incomodo no campo das ideias, automaticamente lembrei-me de Cesar Ferrário e Frank Duesberg, tratando sobre a bendita tragédia da escrita, pela qual passo agora. Nesse momento fico no mesmo patamar do meu contemporâneo em cajazeiras que precisa de rubricas pra interpretar o texto e eu delas para cria um. Quando César relatou sobre os insights, as tão desejadas epifanias que simplesmente nos pega de surpresa em lugares e horas distintas. Eu me perguntava, cadê a minha?
Pensando sobre isso, caminhando para o ponto de ônibus, ao entrar no 203, vrá! Uma senhora, com vestido vermelho e detalhes em tiras brancas (cores inversas do vestido da encarnada exibida por Gleison Amorim), com uma voz grave, já era o centro das atenções naquela condução. E lá estava mais uma de tantas outras encarnadas. Ela, Dona Marta, colhia informação intima sobre nos passageiros e dava-lhes conselhos, sempre usando suas experiências como exemplo de vida e assim como a encarnada performatizada hoje por Gleison, atingiu um lugar de cumplicidade. 
Marta perguntou a um passageiro: 
- Rogerio, o que lhe aflige?
-Estou indo pra uma entrevista de emprego!
- Se Deus quiser vai dar certo!
- Acredito em Deus não!
Marta ficou em silencio e gritou ao motorista: 
- Walter, quero descer na upvida! Você me prometeu que parava onde eu quisesse! 
Walter não só parou na upvida, como ajudou a descer e a deixou na recepção. Nesse momento todos os passageiros também foram os braços e compactuavam com a gentileza de Walter. Ficamos olhando pela janela como se estivéssemos dando um adeus a uma mãe. 
Marta olhou para o ônibus e gritou:
-Ricardo, com ou sem Deus, acredite!
Nossa, que dia lindo?! Poderia ter acabado ale mesmo, mas não! O cobrador sentiu a necessidade de aparecer naquele teatro itinerante e resolveu diagnosticar o episodio ocorrido:
- Esse tipo de mulher é um perigo. Num tem rédea, quer fazer tudo que quer , vai pra onde quer, na hora que quer. Sem ajuda de ninguém, ai fica difícil, num tem homem que consiga dominar!
Foi aquele balde de agua morna, sim, morna! Porque na medida em que ia esfriando aquele momento bonito, o fogo da revolta foi aquecendo. E quem estava no ônibus para nos ajudar? Xoxana incendiária ou um arquétipo da personagem de Leonardo Palma, inspirado em um personagem do filme bastardos inglórios. 
Pois bem, a Xoxana do 203 levantou, olhou para o cobrador e cuspindo fogo, perguntou:
- Você é casado?
-Não!
-Tá explicado!
Dentro desse mesmo GT_performances de gêneros, corpos em transito, Diocélio Barbosa tratou sobre palhaços e gêneros, onde afirma que palhaço não tem rótulos, nem é masculino nem feminino. Enquanto ali no ônibus o cobrador vomitava machismo, pensei:
Esse cobrador o que é? Nem é palhaço, nem tem mulher!

Naira e eu [Vicente] temos conversado a respeito da necessidade de organizar as escrituras e registros desse processo, que acabou de maneira tão louca, persistindo em continuar em nossos corpos e dinâmicas cotidianas. 

Na verdade venho pensando que o instante do término foi quando estávamos mais dispostos a trocar, apesar do cansaço extremo e do incômodo que a vida fora da rotina nos traz. 

Eu [Vicente] escrevo da casa da lagoa, é dia 24 de novembro de 2016. 

Organizarei este registro de trás pra frente, de forma a manter a ordem das informações conforme dispostas na página do facebook que fomos alimentando coletivamente ao longo do processo. 

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organizar as escrituras

re-performar o afeto

residência artística - compartilhamento de processos

 

 

 

projeto cartas [naira ciotti + rita cavassana + vicente martos]

cristiana nogueira

wellington júnior

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em parceria com 

alunos da pós-graduação em artes cênicas

alunos da graduação - Encenação I

OCUPAÇÃO REITORIA UFRN

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Natal / RN, 24 a 26 de outubro de 2016

antes disso

projeto cartas

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[módulo: desgalvanizar o chão]

28 de outubro de 2016 -  15h -  reitoria UFRN

Atualização em 2016: o Projeto Cartas identifica que nos tempos atuais está difícil qualquer tipo de conversa, em especial a prática dos diálogos sociais; lembrando algumas ideias importantes de Joseph Beuys:

 

Gostaria de lembrar que falo essencialmente na óptica de minha experiêrncia artística e, portanto da arte. De resto, aliás, não seria verdade que quando o homem quer fazer uma revolução, ou melhor, quando decide mudar as condições de seu mal-estar, deve necesariamente dar inicio as mudancas na esfera cultural, operando nas escolas, nas universidades, na cultura, na arte e, em termos mais gerais, em tudo aquilo que diz respeito a criatividade? A mudanca deve ter inicio no modo de pensar, e so a partir desse momento, desse momento de liberdade, será possível pensar em mudar o resto. (BEUYS, 2006)

 

Na ocasião (outubro/2016), os estudantes da universidade ocuparam a area externa do Departamento de Artes alguns dias antes do inicio do evento, passando posteriormente para o prédio da reitoria da universidade, em agenciamento com estudantes das demais faculdades do campus. A ocupação, segundo os alunos, funcionava como forma de protesto e resistência contra a Reforma do Ensino Medio e a aprovação da PEC 241. Tais medidas prejudicam o futuro de muitos que se formaram e se formarão na Licenciatura em Teatro e outras áreas das ciências humanas. A PEC “do inferno”, como dizem as palavras de ordem da ocupação.

 

Os estudantes que, na falta de diálogos possíveis, ocupavam um edifício e estabeleciam dinâmicas de organização, suprimentos alimentares e também uma série de aulas e eventos sobre poder democrático, processos jurídicos, direitos de movimentos sociais etc. O projeto Cartas, com a sua natureza atualizadora, juntamente com as ações do não-evento “Reperformar o Afeto”, agencia-se a ocupação e aos ocupadores. Fazer contato, estabelecer diálogo, falar com o chão: eis a performance que se fazia necessária naquela atualização.

 

As 15 horas do dia 28 de outubro de 2016, o Projeto Cartas atravessou o saguão da reitoria com inúmeros desentupidores de pia, coloridos, distribuindo-os no chão. Com um regador deitava-se a poça dágua sobre o mármore do piso; imediatamente os corpos presentes colocavam-se a “desentupir o chão” para abrir espaço ao diálogo.

crédito das imagens: Cristiana Nogueira

antes disso

antes disso

wellington júnior

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[trace a face]

27 de outubro de 2016 -  15h -  reitoria UFRN

crédito das imagens: Wallace Freitas

[Relatório da não-Mesa do não-Evento Reperformar o Afeto] - André Marcolino

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A trágica da escrita, o projeto mental de letras e palavras que escapam por entre as mãos e não se concretizam. 
Movimentos de dedos e olhos que não seguem pensamentos.
Tensão, os nervos, o suor frio, a respiração entrecortada e a disritmia. Angústia.
O passado que se reapresenta diante dos olhos, materializando-se em tela e botões.
Momento derradeiro que se repete e se repete e se repete defeituoso em todas as suas versões.
Comportamento coxo, vacilante e indignado, exoesqueleto desajustado. Tomado de sincera vontade, desejo virtuoso de partilha e comunhão, enlameado pelo medo dos juízes, aqueles fantasmas, gestados e paridos na doença das consciências coletivas.
O câncer social que contamina pelos ouvidos, pelos olhos, pelo sentimento de desprezo.
Mascaramento de proteção, pra escancarar feridas, próprias e alheias.
Máscaras pra libertação, na cara e no resto, pelos lados, pelos em cima, pelos em baixo. Pelos que se vão, não em vão.
Ser algo outro.
Re-ser diferente. “Se refa-ser”. Um desnudamento da alma, alma de homem, alma de mulher.
Tempo, tempo, uma injeção de tempo na jugular, pra adiantar os efeitos.
Uma Reflexão de si.
Uma negação de si e o rechaço, das mãos que outrora conduziram por caminhos tortos e dilacerantes um coração apaixonado.
Caos.
Santo caos, vendaval, furacão que arremessa num chão de pedregulhos para a beira de um abismo.
À frente, do outro lado o reflexo, auto-imagem, com dentes afiados, olhar faminto, prestes a devorar.
Lá embaixo, dotada de misteriosa e sublime beleza, a morte esconde seu sorriso e estende em segredo um leito de ninar, de areia de ampulheta, que soterra e desenterra a cada revirar
Coisas que não se vê, coisas de não-saber.
Abre-se a fissura e a loucura encarnada invade e purifica.
Um salto confiante de braços abertos. Um corpo no ar, desfrute da queda, pronto pra o encontro com o vazio.
Vazio amor, amor-amigo.
Me performo contigo.
Te refaço completo.
Me reformo e não ligo.
Reperformo em afeto.

[tutunho fala]
crédito das imagens: Wallace Freitas

[Performance e afetos: investigando modos de transmissão] - Maurício Barbosa

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Um roda de conversa foi feita e começamos a debater coletivamente a relação da performance com a educação, principalmente em relação ao ambiente escolar. Maurício Barbosa leu o resumo da mesa que, dentre alguns pontos, introduzia os participantes na proposição em pauta. Considerou-se inicialmente - seguindo pistas apresentadas por Denise Rachel (2014) em sua dissertação de mestrado - que a retroalimentação contida no professor-performer: possibilita a relação com o inesperado, hibridiza os campos de conhecimento, oportuniza o conhecimento de si mesmo e das próprias capacidades e limitações, valoriza encontros que investigam a processualidade dos acontecimentos. Este artista híbrido, conforme sugere a pesquisadora Naira Ciotti (2014), atua nas fronteiras dos conteúdos, investigando estratégias criativas que valorizam os processos mais do que os produtos.
No tocante às pesquisas que atuam no território entre arte e educação, Paul Moraes falou sobre seu interesse em estudar os binômios: professor-artista, artista-docente, professor-performer, entre outros. Como encontrar caminhos de diálogo entre a arte e modos de transmissão (TAYLOR, 2011), e mais especificamente, na/em sala de aula?
Os desvios provocados pelo performer na escola, talvez, acentua a reinvenção de procedimentos frente às normatizações cristalizadas no ambiente escolar. Desvios que colocam em xeque, por exemplo: o papel do professor como detentor do conhecimento e propositor central das atividades, a divisão do tempo oferecida pela escola por meio de sua rotina e currículo, configuração do mobiliário espacial.
Naira Ciotti, ainda enunciou: uma aula pode ser uma performance e uma performance pode ser uma aula. Comentou que quando tencionamos transmitir alguma informação para outrem não controlamos as leituras que aquela emissão provocará. As afetações produzidas por essa dinâmica, podem surgir imprevisivelmente levando-nos a lugares desconhecidos. A performance, por sua vez, acentuaria as multiplicidades de caminhos ao se interessar mais pelo processo criativo de percursos do que objetivar chegar a um sentido unívoco.


Referências

CIOTTI, Naira. O professor-performer. Natal, RN: EDUFRN, 2014.

RACHEL, D. P. Adote o artista, não deixe ele virar professor: reflexões em torno do híbrido professor-performer. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014.

TAYLOR, Diana. Introducción. Performance, teoria y pratica. In.: TAYLOR, Diana; FUENTES, Marcela A. (Edits.) Estudios avanzados de performance. México: FCE, Instituto Hemisférico de Performance y Política, Tisch School of the Arts, New York University, 2011. p. 7-30.

[Relato de um Afeto Manifesto] - Diocélio Barbosa

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Com[par]trilhar afetos

Compartilhar as vivências dos trânsitos entre os gêneros. 
Sentar na cadeira! Levantar... 
Pessoas entram e saem - barulhos invadem o espaço e os corpos se instabilizam, pessoas mergulham no cyberespaço. (PAUSA). Há um mergulho individual num si mesmo de imagens, posso ouvir o ranger das cadeiras pedindo ajuda para caminhar. Luz se apaga. Na parede o reflexo da imagem invertida do gênero, na parede as memórias, referências, corpos que transitam entre os gêneros e transitam também pelas ruas de São Paulo. Luz se acende. Desconhecemos seus papéis, há uma constante esquizofrenia caótica na fala. O rosto se expressa.
Como efeito de uma performatividade sutil e politicamente imposta, o gênero é um “ato”, por assim dizer, que está aberto a cisões, sujeito a paródia de si mesmo, autocríticas, e àquelas exibições hiperbólicas do “natural” que, em seu exagero, revelam seu status fundamentalmente fantástico. 
E assim, Judith Butler participa do nosso com[par]trilhar.
Felizmente 
como ressalta a autora, 
o discurso do poder tem um grande defeito: para fabricar os seus indivíduos, ele depende de sua própria reiteração contínua. Quando um minuto se passa em algum lugar sem que alguém se use de um mecanismo disciplinar, nasce uma diferença, irrefletida, espontânea como a flor de lótus. Um modelo de resistência surge em todo hiato no edifício da instituição, assim como as trepadeiras vão engolindo as rachaduras dos prédios. 
E o palhaço o que é? Homem ‘ou’ mulher?
- O palhaço é o que ele quiser;
O palhaço não tem rótulos, ele não é necessariamente “puro”, anjo ou demônio, masculino ou feminino, termos que sempre são relacionados ao palhaço; não podemos querer enquadrar o palhaço.

ELE APENAS PERSONA ENCARNADA É!
Nós todos nascemos pelados o resto é...

[rádio PROJETO CARTAS]

transmissão Natal - Casa da Lagoa

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26/10/2016  -  19h

Projeto Cartas + Cristiana Nogueira + Wellington Júnior + ações políticas cotidiana + rádio disparadora de performance + conversa de processo.

cristiana nogueira​

[agudo]

25 de outubro de 2016 -  15h -  reitoria UFRN

crédito das imagens: Rita Cavassana

[mostra-fórum]

[GT – Performances de gêneros, corpos em trânsito.]
Coordenação do GT: Diocelio Barbosa, Gleison Amorim e Leonardo Palma.

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Feminino

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Masculino

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Acima, dois polos e uma linha que estabelece limites e divisões. Entre um polo e outro, entre a linha e as palavras, existem espaços, lacunas ou nas palavras da filósofa estadunidense Judith Butler, “trata-se […] de uma subversão interna, em que o binário tanto é pressuposto como multiplicado, a ponto de não fazer mais sentido” . Convidamos corpos munidos de bombas e dinamites para um momento de explosão dessas fronteiras imaginárias, corpos que queiram compartilhar seus processos de criação onde o sistema binário de divisão do sexo em feminino e masculino se dilui em lacunas e espaços de subversão, onde a própria performance artística denuncia a falência dessas fronteiras. Convidamos os corpos que queiram (re)performar o afeto construindo coletivamente possibilidades de performances de gêneros, que queiram (re)performar inclusive este GT.

Palavras- chave: corpos, gênero, performatividade

[Mesa: Performance e afetos: investigando modos de transmissão]

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Quais pistas estaríamos evidenciando quando relacionamos performance e modos de transmissão (TAYLOR, 2011)? Partindo do conceito de professor-performer, desenvolvido por Naira Ciotti (2014), propomos pensar práticas performativas que atuam entre conteúdos a fim de desenvolver estratégias de composição que se interessam mais em experimentar procedimentos e acompanhar processos que julgar, classificar e controlar. Recombinando ideias díspares e resistindo a codificação dos modos de transmissão do conhecimento, a performance talvez potencialize uma relação dialógica, interessada no exercício da alteridade. Um afetar e deixar afetar-se pelos encontros para que possamos tatear temas a serem investigados e saboreados, conforme aponta Denise Rachel (2014): possibilitar a relação com o inesperado, hibridizar os campos de conhecimento, oportunizar o conhecimento de si mesmo e das próprias capacidades e limitações, valorizar encontros que investigam a processualidade dos acontecimentos. Ao invés de perguntar "o que é transmitir?" ou "como transmitir", possivelmente seria mais interessante perguntar "vamos ver o que está acontecendo?", para a partir daí propor intervenções que reconheçam a relação dinâmica dos modos de transmissão.

Palavras-chave: professor-performer; modos de transmissão; afeto

Referências

CIOTTI, Naira. O professor-performer. Natal, RN: EDUFRN, 2014.

RACHEL, D. P. Adote o artista, não deixe ele virar professor: reflexões em torno do híbrido professor-performer. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014.

TAYLOR, Diana. Introducción. Performance, teoria y pratica. In.: TAYLOR, Diana; FUENTES, Marcela A. (Edits.) Estudios avanzados de performance. México: FCE, Instituto Hemisférico de Performance y Política, Tisch School of the Arts, New York University, 2011. p. 7-30.

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